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RELAÇÕES PROCESSUAIS Reflexão acerca de consórcio entre atores no processo penal

Repercute na imprensa nacional e mídias sociais a divulgação veiculada por site denominado The Intercept Brasil, no qual são transcritos contatos que teriam acontecido entre o ex-Juiz Federal Sérgio Moro e a força tarefa da operação Lava-Jato (Folha on line, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/entenda-os-episodios-da-lava-jato-discutidos-por-moro-e-deltan-em-conversas-vazadas.shtml?loggedpaywall, acesso em 10 de junho de 2019).


Surgem, primeiramente, abordagens de cunho partidário e ideológico, as quais estão permeadas de paixão e tratam do tema como uma disputa política, ótica da qual essa reflexão busca se afastar.


A discussão acerca do envolvimento do ex-magistrado com o Ministério Público Federal ante a suposta troca de informações, indicação de alternativas, sugestão de estratégias e cobrança de providências (leia-se novas operações), ficará restrita ao aspecto jurídico.


Cuida-se, pois, de analisar o tema sob o prisma de possível caracterização de consórcio Juiz-Ministério Público, com o propósito claro de determinar providências aptas a permitir condenações quanto aos fatos apurados ou em apuração.


Obviamente que a adoção de procedimento com esse viés é ilegal e juridicamente inaceitável, além de ser moralmente questionável, e o que é pior, está a indicar possível conduta parcial na apreciação de medidas cautelares e condução dos feitos criminais na atuação de referido ex-magistrado, hoje Ministro da Justiça.


Isso provoca o desequilíbrio entre as forças daqueles que figuram em processo na órbita criminal, isto é, entre acusador e defensor, na medida em que o primeiro contaria com o suporte daquele que deve estar equidistante dos interesses das partes antagônicas.


Estaria caracterizada a infração ao princípio da imparcialidade do juiz insculpido nos arts. 252 e 254 do Código de Processo Penal, em especial a situação preconizada pelo art. 254, inciso IV, que veda sua atuação do juiz em processo no qual tiver aconselhado qualquer das partes.


Discutem-se as consequências que poderão advir aos processos-crime e bem assim às pessoas dos condenados, ante a busca do reconhecimento de sua invalidade, em face do ex-magistrado ter aparentemente se afastado da condição de isenção obrigatória e exigível de quem ostentava a condição de presidente do processo. Poderão ensejar a admissão da invalidade de operações por ele autorizadas, como de decisões, inclusive de cunho definitivo, por ele prolatadas.


Por outro lado, será levantado em favor dos interlocutores surpreendidos nas conversações, a argumentação de impossibilidade de uso da “prova” em razão de sua obtenção por meios ilícitos.


Isso se mostra indiscutível em face do que dispõe a Carta Constitucional de 1988 em seu art. 5º, inciso LVI (são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.” BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm, acesso em 11 de junho de 2019) e pelo que preconiza a Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, que estabelece crimes e requisitos específicos para a interceptação telefônica, tornando nula qualquer obtenção havida fora dos parâmetros por ela indicados.


Resolvida a questão?


Sob a ótica constitucional e legal, sem dúvida!


Mas e se for utilizada a lógica defendida pelo Ministério Público Federal ao propor as 10 (dez) medidas contra a corrupção (10 MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO – MPF, disponível em http://www.dezmedidas.mpf.mp.br/apresentacao/conheca-as-medidas, acesso em 10/06/2019), onde se verifica no item 7 a defesa da relativização da nulidade pela ponderação dos direitos e interesses em jogo na avaliação da exclusão da prova, o que está em harmonia com a legislação de diversos países democráticos, inclusive a norte-americana, seria possível a deflagração de investigação e eventual adoção de medidas disciplinares, processuais e até penais.


Aliás, noticia-se declaração do Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que disse que a prova "Não necessariamente [anula]. Porque se amanhã [uma pessoa] tiver sido alvo de uma condenação por exemplo por assassinato, e aí se descobrir por uma prova ilegal que ela não é autor do crime, se diz que em geral essa prova é válida" (Folha on line, disponível em https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/06/prova-obtida-de-forma-ilegal-pode-ser-usada-diz-gilmar-sobre-caso-moro.shtml, acesso em 11 de junho de 2019).


Mas a despeito do que se pense a respeito, posto que o resultado de tal contenda mostra-se imprevisível até no Supremo Tribunal Federal, pode-se concluir com segurança que o caminho para o combate às ilicitudes penais não pode contar com irregularidades nos procedimentos.


Pensar-se que é válido tudo que for feito em prol de um resultado, por mais que seja considerado positivo ao país, é referendar-se o que disse Machiavel, "Deixe um príncipe ter o crédito, e os meios sempre serão considerados honestos” (Disponível em https://www.megacurioso.com.br/literatura/69389-voce-sabia-maquiavel-nunca-disse-os-fins-justificam-os-meios.htm, acesso em 11 de junho de 2019), interpretado historicamente pela frase “os fins justificam os meios”.


Assim, constatada o conluio entre juiz e órgão acusador, estará configurado vício de grande magnitude.


Determina o Código de Processo Penal que a acusação tem o ônus de provar suas alegações conforme dispõe em seu art. 156, e como sustentado pelo Supremo Tribunal Federal em julgado da lavra do Min. Celso de Mello (HC 88.875/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO, disponível em https://www.conjur.com.br/dl/ap-898-voto-celso-mello.pdf, acesso em 10/06/2019), ao passo que ao juiz compete manter a neutralidade, inclusive na produção da prova, ante a adoção pelo processo penal brasileiro do princípio acusatório.


A Constituição Federal de 1988, de forma implícita instituiu no país o sistema acusatório, separando as funções de acusar e julgar, como se observa nos arts. 102, I, 105, I, 108, 109 “caput”, 114, “caput” e 124, “caput”. Também estabeleceu que ao Ministério Público compete privativamente a acusação de crime de ação penal pública, como se observa do contido no art. 129, I da Carta Cidadã.


Reforçando tal compreensão, observa-se que a Constituição de 1988 estabeleceu a isonomia processual (art. 5º, inciso I), o devido processo legal (art. 5º, XXXVII e LIII), o contraditório e ampla defesa (art. 5º, LVI), e a presunção de inocência (art. 5º, LVII).


Alterou-se, conforme os termos da Lei 11.690/09.06.2008, a conformação da instrução criminal no processo penal brasileiro, na medida em que transmudou o sistema inquisitório para o sistema acusatório, colocando o juiz como um mediador da produção da prova, e não seu principal condutor.


Isso significa que o juiz, a quem será dado a final cotejar todo o conteúdo probatório produzido, igualmente tem como incumbência velar pela correta produção da prova requerida pelas partes. Deve restringir-se a isso, posto que na filosofia do processo acusatório atribui-se a responsabilidade probatória a quem deflagrou a ação penal, conforme, aliás, preleciona Flávio Pereira da Costa Matias (O princípio da imparcialidade do juiz penal como decorrência da adoção do sistema acusatório pela constituição federal, Disponível em https://jus.com.br/artigos/22659/o-principio-da-imparcialidade-do-juiz-penal-como-decorrencia-da-adocao-do-sistema-acusatorio-pela-constituicao-federal, acesso em 10/06/2019).

Sendo assim, toda e qualquer conduta do magistrado agindo proativamente quanto à produção da prova – mesmo na fase investigativa –, e bem assim a atuação de forma combinada com o órgão acusatório, fere de morte o princípio da imparcialidade do juiz, consagrado na Declaração Universal dos Homens, em seu artigo X que estabelece que “Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. (Disponível em https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf, acesso em 11 de junho de 2019) (grifo ausente no original).


Admitidas como verdadeiras as comunicações divulgadas e interpretado que efetivamente revelam uma ação conjunta Estado-Juiz/Ministério Público Federal, ficará estabelecida uma relação de promiscuidade entre o investigador/acusador com o juiz da causa, o que nulifica os procedimentos ao permitir supor o interesse na obtenção de um resultado determinado.


Todavia, entendendo-se inviável a admissão da demonstração de tal ilegalidade por descumpridos preceitos legais e constitucionais, ter-se-á um paradoxo: um procedimento ilegal e prejudicial às partes objeto das atividades investigatórias e processos-crime restará validado, persistindo, no entanto, severas e merecidas criticas e censuras à conduta dos protagonistas, com o consequente abalo de seus prestígios pessoais e profissionais, ante a adoção de comportamento vedado constitucional e legalmente.


Estarão em xeque, por consequência, as instituições e poder atuantes nos casos.


Um problema de grandes proporções!


Advogado no escritório Ferreira & Schaefer Martins

Ex-Desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina

Especialista em Direito Penal e Processual Penal

Mestre em Ciência Jurídica




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