Impessoalidade como conveniência: a indicação de Cristiano Zanin ao STF
Por Francisco Emmanuel Campos Ferreira e Thiago de Miranda Coutinho
Ante as iminentes aposentadorias dos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, em maio e outubro próximos, respectivamente, a pauta acerca da escolha dos próximos nomes a integrar o Supremo Tribunal Federal começa a ganhar contornos, no mínimo, curiosos.
Isso porque a indicação do advogado Cristiano Zanin Martins — dada por muitos como certa para a primeira sucessão no STF em 2023 —, passou a ser questionada frente a um suposto "ferimento ao Princípio da Impessoalidade" e, por conseguinte, a um eventual "comprometimento da legitimidade" da corte perante a sociedade.
Todavia, esse discurso revela a busca por constranger o ato presidencial, além de macular a sólida reputação do advogado que, de forma técnica, minuciosa e resiliente, conduziu a defesa do atual presidente nos processos da "lava jato" que, por sua vez, restaram anulados.
Assim, percebe-se que essa estapafúrdia tentativa acrobática carrega, em si, o revanchismo político-ideológico escrachado na "lava jato" e, também, fortes traços da chamada "lawfare"; fatos que impõem merecida atenção a esse episódio.
Para compreender esse enredo, inicialmente cabe sopesar que, nas palavras do próprio advogado, doutor Cristiano Zanin Martins, em coautoria com Valeska Teixeira Zanin Martins e Rafael Valim, no livro Lawfare, uma Introdução — que reserva importante quebra de paradigma acerca da temática —, o termo pode ser assim definido:
"Lawfare é o uso estratégico do Direito para fins de deslegitimar, prejudicar ou aniquilar um inimigo".
Avançando na reflexiva obra, os autores consideram que:
"A tática de manipular pautas mobilizadoras e, através da propaganda, conseguir sensibilizar a população sobre a necessidade de se destruir o inimigo, é prática comum em cenários de guerra."
Neste escopo, em detrimento da similaridade com o caso concreto, se faz necessária a exposição da previsão constitucional do aludido "Princípio da Impessoalidade", onde consta que:
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;"
Diante disso, resta oportuno salientar que derivam do Princípio da Impessoalidade os princípios da Finalidade (fim público) e o da Isonomia (igualdade), onde objetiva-se uma atuação imparcial e livre.
Logo, permanecendo ao socorro da Constituição, no que diz respeito à indicação presidencial ao STF, encontra-se no artigo 101 que:
"Art. 101. O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de setenta anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.
Parágrafo único. Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal."
No ponto, sublinha-se que os indicados ao nobre papel de ministro do Supremo, serão submetidos à sabatina na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e, depois, ainda devem ter os nomes devidamente referendados pelo plenário da Casa com, ao menos, 41 votos dos 81 senadores. Logo, não é crível cogitar que alguém sem os requisitos impostos pela Carta Magna seja indicado à posição máxima do Judiciário brasileiro.
Ademais, a vã linha argumentativa suscitada sobre o Princípio da Impessoalidade desmorona quando se analisa o passado. A exemplo disso, tem-se os próprios ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que foram advogados-gerais da União nos governos Fernando Henrique Cardoso e Lula, respectivamente.
Não obstante, mais recentemente a escolha do ex-presidente Jair Bolsonaro fora pautada em um indicado que fosse — segundo o próprio ex-chefe da nação —, "terrivelmente evangélico", fato que culminou na nomeação do ilustre ministro doutor André Mendonça; que houvera sido ministro da Justiça daquele governo.
Ora, então só agora caberia aventar um eventual ferimento ao Princípio da Impessoalidade? Questionamento que se assemelha à peça O Mercador de Veneza.
Escrita há mais de 400 anos por William Shakespeare, este clássico mundial levanta temas como discriminação, intolerância, violência, identidade e igualdade.
Resumidamente, a famosa história envolve um empréstimo (concedido por um judeu) cuja garantia seria um pedaço de carne próximo ao coração do devedor (um cidadão veneziano), caso o valor não fosse honrado. E de fato não foi e, assim, o judeu passou a exigir o cumprimento do contrato em juízo.
Por sinal, a forma pejorativa como os judeus eram descritos na literatura ao longo da história, influenciaram outras obras literárias, teatrais e de mídia. À época, majoritariamente os judeus eram narrados demasiadamente caricatos, avarentos, lascivos e, portanto, tolerados somente pela riqueza que possuíam. Seria a lawfare shakespeariana?
Nesta convergência pairam as dúvidas: E se a situação fosse oposta e, ao invés do cidadão veneziano, o judeu quem devesse o dinheiro e colocasse sua própria integridade sob garantia do empréstimo? Será que os juízes da época hesitariam em cumprir o contrato à risca e, consequentemente, retirariam a carne do judeu?
Por fim, resta-nos a célebre frase extraída do clássico de Shakespeare: "O diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém".
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